Facebook
  RSS
  Whatsapp
Home    |    Notícias    |    Geral

A vida das vítimas um ano após a barbárie de Castelo do Piauí

Três adolescentes que sobreviveram às agressões moram hoje em Teresina.

Compartilhar

 

A vida pacata no interior do Piauí, quebrada pelo corre-corre e agitação da capital. Foi esse o rumo que o destino reservou às três sobreviventes da série de atrocidades no estupro coletivo em Castelo do Piauí, crime que completa um ano neste mês. As adolescentes hoje moram em Teresina e têm tentado dia após dia recolocar os sonhos nos trilhos.

A barbárie que chocou a população da pequena cidade do interior do estado aconteceu no dia 27 de maio do ano passado, quando quatro garotas saíram para tirar fotos no Morro do Garrote, um ponto turístico distante alguns quilômetros da zona urbana. Lá elas foram amarradas, estupradas e arremessadas do alto do penhasco de cerca de 10 metros de altura por um adulto e quatro jovens.

Nenhuma das vítimas imaginaria que o passeio naquela tarde ensolarada terminaria com a morte de uma das amigas e interromperia os projetos de estudar para galgar uma vaga na universidade. O apoio da família e dos amigos, a fé e necessidade de passar por cima de todas as dores – físicas e emocionais -, foram os pilares que as sustentaram e as mantêm firmes para tocar a vida.

Neste primeiro ano após o crime, as garotas deixaram a antiga escola em Castelo e passaram morar e estudar em Teresina. Conquistaram novos amigos e pretendem fazer o Exame do Ensino Médio (Enem) em novembro, Mas, apesar de todos os esforços, ainda precisam de acompanhamento médico e psicológico. Uma delas, atingida na coxa por uma facada durante as agressões, já foi submetida à cirurgia, mas terá que passar por um novo procedimento para retirar um nódulo que se formou por conta do corte.

O Ministério Público Estadual e a polícia apontaram Adão José da Silva Sousa e outros quatro adolescentes como autores da série de atrocidades. O G1 ouviu os jovens com exclusividade. Confira aqui a reportagem.

O caso ganhou repercussão nacional, emocionou muita gente e mobilizou pessoas dispostas a ajudar as famílias de alguma forma.

O grupo Flores Para Elas criou uma campanha  solidária virtual dias após o crime. O dinheiro arrecadado foi destinado aos gastos com passagem, alimentação e hospedagem dos parentes das adolescentes.

Força e fé

A reportagem fez contato com as famílias das garotas e duas delas toparam falar. As demais, entre elas, a da adolescente qe morreu, preferem não comentar mais sobre o fato e, de forma breve, apenas dizem que “é preciso ter força e fé para superar”.

A mãe de uma das adolescentes aceitou falar, mas não permitiu nenhum tipo de imagem. Os nomes marcados por asteriscos são fictícios e foram usados para preservar a identidade das vítimas e seus familiares.

Cristiana* é mãe de Gabriela*, hoje com 16 anos. Ela foi uma das quatro garotas a não apresentar quadro mais grave, mas chegou a passar 18 dias internada no Hospital de Urgência de Teresina (HUT). A garota sofreu fraturas em um dos tornozelos e no punho, além de ter sido atingida na coxa por uma facada. Ela sofreu uma cirurgia e até o próximo mês fará novo procedimento para retirar uma espécie de nódulo que se formou na perna por conta do corte.

Gabriela está morando em Teresina com o irmão em um apartamento alugado pelos pais. Na capital, ela fez novos amigos e já está praticamente acostumada com a nova rotina. A família pediu transferência da escola em que ela estudava em Castelo ainda no ano passado e a menina conseguiu concluir o 1º ano do ensino médio em Teresina.

Hoje, cursado o 2º ano, ela pensa em fazer o Exame do Ensino Médico em novembro como treineira e, caso não mude de ideia, pretende disputar no próximo ano uma vaga para o curso de arquitetura.

“Minha filha é muito forte, se mostrou muito forte desde sempre. Naquele momento como mãe, era eu quem deveria dar força pra ela, mas ela é quem me passava essa fortaleza. Aos poucos fomos enfrentando todas as dificuldades e hoje ela tá bem. Vi Deus se manifestar numa injeção que a minha filha tomou. Era ela mostrando vida, dia após dia dentro daquele hospital”, relembra a mãe.

Quando o crime aconteceu, Cristina teve que se mudar para a capital para acompanhar Gabriela. Foram sete meses longe da casa em Castelo, dos outros dois filhos e do marido.

“Tudo era diferente pra ela. Quando estava aqui em Castelo, o pai ia deixar e pegar na escola. Em Teresina, ela teve que aprender a pegar ônibus, estava longe dos amigos. Ela não chorou muito e sempre fez questão de dizer que não ia se trancar, deixar de viver a vida dela. Em alguns momentos eu quis esmorecer, mas via a força dela e levantava”, fala a mãe.

Gabriela continua fazendo acompanhamento com psicólogo. “Como mãe às vezes me sinto dividida porque quando viajo pra visitar eles na capital deixo aqui a minha outra filha, que é a mais velha. A gente sempre planejou mandar eles pra estudar em Teresina, mas acabou acontecendo antes e da forma que foi”, conta.

Cristina disse não guardar nenhum rancor. “É um sentimento que não mudaria nada, não me faria bem. Prefiro olhar para minha filha e vê que graças a Deus ela está bem, viva”, falou.

Foco nos estudos e na futura carreira

Renata*, 17 anos, entre as três sobreviventes, foi a que ficou em estado mais grave e passou 36 dias internada no HUT, alguns destes na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela teve traumatismo craniano e chegou a ser submetida à cirurgia plástica para reconstrução das orelhas.

Vaidosa como toda menina da sua idade, ela viu seu longo cabelo ser raspado por conta do procedimento cirúrgico na cabeça para retirar mais de 20 fragmentos de ossos quebrados durante as agressões.

Madalena*, madrinha, cunhada e confidente de Renata, foi quem recebeu o G1. Coube a ela a difícil missão de contar para os pais da garota tudo que havia acontecido no Morro do Garrote. Coube a ela também acompanhar Renata na ambulância quando foi transferida de Castelo para Teresina. Até hoje ela se emociona ao lembrar-se da afilhada se contorcendo de dores e gemendo na maca.

“Foi um dia terrível. Ninguém nunca imagina que isso vai acontecer na vida de alguém. Mas Deus é tão poderoso que ela está viva, tá bem e tem seguido a vida dela”, falou a madrinha.

Renata vai concluir o ensino médio esse ano e quer ingressar na universidade no curso de medicina veterinária. Mesmo durante a sua recuperação, não deixou os estudos. A direção da escola em que estudava em Castelo fez um esforço intenso para que a garota conseguisse acompanhar os conteúdos mesmo em Teresina e Renata, sempre que possível, ia ao colégio para fazer as avaliações.

A madrinha diz que o acompanhamento psicológico continua. “Às vezes ela esquece das coisas, mas acho que isso é normal para quem passou pelo que ela passou. No geral ela tá bem. O cabelo cresceu e ela já quer até cortar”, disse.

Na casa de Danielly Rodrigues, única das quatro meninas a morrer em consequência das graves lesões, o quarto permanece fechado desde o dia em que tudo aconteceu. A mãe, que teve uma parte de si levada, prefere manter o silêncio, pois diz que “nada, nada do que ela disser trará sua filha de volta”.

Esforços para esquecer

Desde que o crime ocorreu em Castelo do Piauí, escolas e demais instituições têm realizado diversas ações voltadas ao fortalecimento de proteção às crianças e adolescentes.

As atividades são promovidas pela Prefeitura Municipal de Castelo do Piauí através da Secretaria Municipal de Assistência Social (Smas), e contam a participação de diversos setores da administração municipal e sociedade civil organizada, como a Associação da Juventude de Castelo do Piauí (Ajuca), Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Durante toda a semana, uma vasta programação foi realizada em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes, na quarta-feira (18).

“Todos os nossos esforços têm sido no sentido de alertar e sensibilizar a sociedade. Estamos tentando desmistificar essa imagem negativa da cidade. O mais importante é conscientizar essas crianças e esses adolescentes dos seus direitos e garantias e mostrar quem eles devem procurar”, falou a psicóloga Enilda Alves.É a primeira vez que os meninos falam com a imprensa desde o fato. O acesso aos menores, recolhidos no Centro Educacional Masculino (CEM), em Teresina, foi autorizado pelo juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e da Juventude.

P U B L I C I D A D E

G1 PI

Mais de Geral