A denúncia apresentada nesta terça-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas por crimes relacionados a uma trama golpista esmiuça uma ação coordenada entre a cúpula do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a direção da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no governo Bolsonaro para dificultar o voto de eleitores em municípios em que Lula era favorito no segundo turno das eleições de 2022, em especial na região Nordeste.
Depoimentos de funcionários públicos e agentes, além de mensagens de autoridades em grupos de Whatsapp, estão entre as provas da ação ilegal da PRF, que teria sido planejada pelo Ministério da Justiça com aval do então ministro, Anderson Torres. No dia do segundo turno, viaturas da Polícia Rodoviária Federal agiram para fiscalizar e reter ônibus em municípios em que Lula era favorito, aponta a denúncia.
A PGR incluiu na denúncia a delegada da Polícia Federal Marília Ferreira Alencar, que foi diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública durante a gestão de Torres; o então diretor de Operações da pasta, Fernando de Sousa de Oliveira; e o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques. Eles não constavam no relatório da Polícia Federal (PF) em novembro de 2024. A Procuradoria os acusa dos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
De acordo com a denúncia, Marília solicitou a elaboração de um projeto de Business Intelligence (ferramenta de análise de dados) voltado aos resultados eleitorais. "O objetivo era coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos municípios da Região Nordeste", diz o texto.
Após o primeiro turno, a então diretora de inteligência do Ministério da Justiça teria ordenado ao analista Clebson Ferreira de Paula Vieira que coletasse os dados de municípios em que Lula tivesse mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Em depoimento às autoridades, Clebson confirmou que seu chefe imediato na PRF, Tomaz Viana, ordenou que "o painel que estava publicado no ambiente do MJSP fosse retirado e colocado 'offline'".
Segundo Vieira, "a PRF agiu no dia das eleições com base nos BIs do declarante (Vieira), tanto para saber onde estava o efetivo quanto para saber para onde direcionar o efetivo; (...) as ações da PRF seriam blitz em municípios ou próximas a municípios nos quais o então candidato Lula tivesse votação acima de 75%", a maioria na região Nordeste.
O documento da PGR cita ainda que no celular de Fernando de Sousa Oliveira, então diretor de Operações da pasta, a polícia encontrou mensagens que corroboram o direcionamento político da ação. Fernando e Marília faziam parte de um grupo de Whatsapp chamado "EM OFF" no qual tratavam sobre os relatórios.
Em 13 de outubro de 2022, Marília enviou mensagem afirmando que em "belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” (sic) e “menos 25.000 votos no 9”, em alusão ao favoritismo de Lula no município da Baixada Fluminense.
Em seguida, Marília pergunta a Fernando qual seria o próximo passo sobre os relatórios. Ele, então, responde: "52 x 48 são milhões 5 de votos para virar". Marília diz, então, que o ministro Anderson Torres tinha pressa e que “Leo (Garrido, coordenador de operações na PF) disse que só vai fazer a bahia”, em possível alusão a um policiamento direcionado no estado do Nordeste.
"Está claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado (Bolsonaro) fosse afastado do poder", diz a denúncia da PGR.
A PGR também afirma que as "diretrizes manifestamente ilícitas" do grupo foram acolhidas pelo então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, "que direcionou os recursos da Polícia Rodoviária Federal para o objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o poder".
Pressão sobre a PF
As investigações revelaram ainda que houve uma reunião em 19 de outubro de 2022, a 11 dias do segundo turno das eleições, do ministro Anderson Torres e de Vasques com as cúpulas da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal "para tratar do policiamento direcionado, a ser posto em execução quando do segundo turno das eleições de 2022".
A denúncia cita os depoimentos de três policiais rodoviários federais, os quais relataram que durante a reunião Vasques "disse que 'era hora de escolherem um lado'" na disputa eleitoral. O relato foi antecipado pela coluna de Malu Gaspar, do GLOBO.
Mensagens do grupo “EM OFF” também mostram o tom do encontro, segundo a denúncia. Marília teria dito em mensagem ao grupo: "achei que o 01 (Torres) falou bem ontem na reunião", ao que Fernando teria respondido: "falou bem demais isento". Marília, então, respondeu: "isento porra nenhuma", "meteu logo um 22", em referência a um favorecimento de Bolsonaro por parte do ministro Torres.
De acordo com a PGR, a conversa entre Marília e Fernando de Sousa de Oliveira "sinalizou a anuência da Polícia Rodoviária Federal e a resistência da Polícia Federal aos comandos ilícitos". A denúncia menciona um confronto entre Fernando de Sousa de Oliveira e o Diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Caio Pelim, que resistia a qualquer policiamento direcionado.
Segundo a PGR, em 26 de outubro, a PRF estabelece um plano de trabalho que previa a fiscalização do transporte de passageiros no segundo turno alão que teria sido "ditada pela necessidade sentida pelos denunciados de orquestrar medidas de impedimento, mediante uso de força policial, de acesso às zonas eleitorais de eleitores considerados perigosos para um resultado favorável ao presidente disputante da reeleição".
"Dados fornecidos pela atual gestão da PRF mostraram que, durante o segundo turno das eleições, a Região Nordeste concentrou o maior número de policiais mobilizados, o maior número de postos fixos de fiscalização e o maior número de ônibus fiscalizados e retidos", diz a denúncia.
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Fonte: O Globo
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