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O que as pessoas não entendem na Cracolândia

A compreensão de que aquele não-lugar é o único possível para a miséria existencial daquelas pessoas requer que nos aproximemos com cuidado

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O senso comum e teorias simplistas para uma questão complexa, como é o fenômeno dos territórios de fluxo para o uso de substâncias psicoativas, não abarcam a dificuldade do entendimento do assunto. O senso comum repete que a droga é o mal e causa da situação das “cracolândias”, como ficaram pejorativamente conhecidas as cenas de uso. As teorias simplistas – que também têm na droga a causa do problema – repetem a necessidade de internação, o que é apenas um afastamento compulsório, substituto da solução policial da prisão – quando o problema social era caso de polícia lá pelo início do século passado.

Uma e outra, o senso comum e teorias simplistas, tendo na droga a resposta causal, acham que, tirando a droga, a questão está resolvida. Ledo engano. Sabemos há bastante tempo de observação, trabalho prático e pesquisa que, quando as pessoas chegam ao território de fluxo do uso da droga, elas já perderam tudo o que tinham, não há mais lugar para a sua existência, sendo aquele um não-lugar. Ou seja, aquele fluxo de uso é o resultado da vida miserável e sem esperança a que os usuários chegam, e não a sua causa. Uma inversão na compreensão do fenômeno pode nos ajudar a começar o entendimento da situação complexa. Isto é: eles estão ali pela situação de miséria existencial em que vivem. De alguma forma, o lixo que caracteriza esses lugares simboliza o lixo social em que essas pessoas se encontram. E parece nos gritar que estão ali com – e como – o lixo a nos perguntar se algo não será feito.

CRACOLÂNDIA

A compreensão de que aquele não-lugar é o único possível para a miséria existencial daquelas pessoas requer que nos aproximemos com cuidado, oferecendo a possibilidade de um retorno para antes daquela situação, precisando mesmo dela – desse não-lugar – para referenciar a saída possível dos que ali chegaram. O acompanhamento de vários casos exitosos do Programa de Braços Abertos mostrava o caminho a seguir. Vagarosamente. Porque não há retorno mágico para quem chegou a uma situação de miséria existencial. A não ser o milagre prometido pelas Comunidades Religiosas Prisionais. Que quando falha na sua missão religiosa, quase sempre produz violação dos direitos humanos.

Com o trabalho do De Braços Abertos, aquele não-lugar já vinha ganhando forma da possibilidade a um lugar de cuidado, mesmo ainda no meio do caos. A organização do entorno para a acolhida de vidas em reorganização existencial já era sentida.

Mas acontece que a miséria existencial é feia. O egoísmo dentro de nós não quer chegar nem perto do que estava acontecendo ali. A prefeitura abandonou o De Braços Aberto para que a situação ficasse pior. O prefeito escolhido pelos paulistas vai além do prometido. Antes, tinha um acordo com os ocupantes do território para implantar um novo projeto de assistência. As pessoas queriam discutir. A resolução, ignorando acordo prévio, foi pela força bruta policial contra os desvalidos e demolição das construções que acolhiam alguns desabrigados.

A desproporcional operação policial varreu barbaramente o território ocupado pela dor que estava adormecida produzindo mais dor. Atirou bombas de gás, balas de borrachas e bateu com cassetetes na miséria existencial expulsando-a dali. Para onde? Aquele era seu último reduto. Vão se refazer mais adiante ou retornar (já aconteceu antes). A não ser que planejem a solução final. Que já é iniciada quando se toma cobertores de moradores de rua no frio de São Paulo. Não morrerão pelo frio, mas da desumanidade de um Estado que lhes tira os trapos com que se protegiam dele. O Estado abdica da proteção para usar o terror contra a Cracolândia.

O senso comum e as teorias simplistas não vêm que a Cracolândia não existiria se o Estado atuasse em políticas públicas que diminuíssem a gritante desigualdade social e, ao invés de mínimo, o Estado fosse suficiente grande para a proteção dos desvalidos.

O senso comum e as teorias simplistas às vezes são desumanos. E em nome da higiene pública produzem verdadeiros genocídios. Já aconteceu, outras vezes, em nome da boa intenção. Desta vez a intenção é má.

P U B L I C I D A D E

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Por Edmar Oliveira/Castelo em Foco

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